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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O sertão das bandas do Ipanema

LÚCIA NOBRE  

Natural de Santana do Ipanema/AL. Professora de Literatura Brasileira e Escritora. Graduada em Filosofia, Especialista e Mestra em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Alagoas. Membro das Academias Alagoana de Cultura -Maceió/AL, da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores -Maceió/AL e da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes - Santana do Ipanema/AL.

  



Algumas publicações da autora:

O sonho de Alice.  Romance. HD Livros Editora, Curitiba, 1998.
A Arte Rosa do Popular ao Erudito: uma incursão na tradição cultural na contística de Guimarães Rosa. EDUFAL – Editora da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2000.
A filha do lodo. Romance. EDUFAL – Editora da Universidade Federal de Alagoas.  Maceió, 2001.
O Sonho de Alice. 2. Ed. Maceió, Q-Gráfica, 2009.
Santana Urbana: o Batatal, a Matriz e o Monumento In: Sertão Glocal. Organizadores: José Marques de Melo e Rossana Gaia. Maceió, EDUFAL, 2010. 
A filha do lodo. 2. Ed. Romance. SWA – Instituto Educacional LTDA, Santana do Ipanema, 2015.

Dois dedos de prosa

            Este é mais um texto sobre o nosso sertão, encaminhado através da coordenação de Goretti Brandão. Trata-se de um mergulho nas raízes, que permite a ligação entre a memória, família e construção da sociedade em Santana de Ipanema. Campus/O DIA agradece a Lúcia Nobre, Mestre em Literatura Brasileira, por sua colaboração.
                    As fotos sobre a cidade de Santana do Ipanema são do arquivo particular de João Neto Félix e as que se refere à família são do arquivo da autora.
Um abraço e boa leitura!
Sávio Almeida



 SINCRETISMO
Lúcia Nobre


As estrelas que são nossas

“As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terá estrelas como ninguém, quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!” (Antoine de Saint- Exupéry, 1970).
  Nós, seres viventes, possuímos nossas estrelas. Cada um da maneira que as enxerga. Se observarmos os bons fluidos, estes nos incentivam para continuar regando as plantinhas que precisam de carinho para sobreviver. Assim, nossas estrelas poderão ser reais. Continuamos eliminando as pedras que teimam em ficar em nossos caminhos. Não as afastando de maneira grosseira. Poderemos sim, fazer parte delas, conquistando-as como se fossem as próprias estrelas que nos devem guiar.

A chegada de Amélia e de Pedro

  Não há médicos na cidade de Santana, nem nos arredores. Os moradores da cidade e dos sítios vizinhos vivem precariamente no que concerne à saúde, ao saneamento, ao abastecimento da água potável, como também para o consumo doméstico. O conforto para eles é a fé que os sustenta. Agradecem pela Igreja de Senhora Santana. Lá os católicos cumprem suas práticas religiosas. Pedem graças e agradecem às recebidas.
Aquela família que construiu sua cultura lá nas águas mansas das Lagoas do João Gomes trouxe sua tradição de Pernambuco. O casal ainda jovem com grandes perspectivas, com os pés fincados ao chão, ou seja, com disposição para o trabalho. Sabiam Amélia e Pedro que terras teriam de ser desbravadas com rudimentares condições ou com o trabalho com as próprias mãos. Os irmãos Pedro e João vieram com a bagagem de esperança e acolheram-se em terras íngremes, mas que ofereciam auspiciosos motivos para lá fixarem suas moradas.
 Assim fizeram. Pedro com grande vontade de plantar e implantar raízes, Amélia, anseia levar um pouco do conhecimento das primeiras letras para as crianças da região. Os irmãos João e Pedro cumpriram o que desejaram. João com a esposa Moreninha construíram suas vidas e edificaram raízes em Alagoas, lá nas Lagoas do João Gomes, sítio de Santana do Ipanema. Não diferente, o casal Pedro e Amélia nos presenteou com o patrimônio cultural que construíram. Naqueles anos de 1917, tudo teima em ser difícil para a família de Angelina e Pedro. Moram no sítio e se valem da cidade de Santana. Sebastião, filho de Angelina e Pedro, carece de cuidados médicos, diferente dos outros irmãos, talvez precise de cuidados especiais.
Os anos correm. Trabalham, prosperam. A cidade não evol

Os caminhos de Sebastião

ui. O menino tem oito anos de idade e não anda. Não há médicos. Pais religiosos, crentes dos mistérios divinos, ouvem conselhos que o Padre Cícero do Juazeiro poderia promover um santo milagre naquela criança que deseja muito ser igual aos irmãos. Um dia, o pai da criança fez uma carta ao Padre Cícero que, por sua vez, respondeu solidário ao pai de Sebastião. “Amados fiéis, recebi o pedido de pais fervorosos que amam seus filhos, e por isso querem o melhor para eles. Não prometo um milagre. Sugiro que coloquem nas pernas da criança um pouco de cinza do fogão. Com certeza, serão beneficiados com a benevolência de Deus.”
O brasileiro é híbrido e rico em conhecimentos. Herdou dos nativos que aqui já habitavam, povos que aqui chegaram de lugares diferentes e crenças diversas. Na questão das crenças, assimila todas. Tanto que, acredita em vários deuses. A mãe espiritual pode ter vários nomes. Prova é que o fiel sai da igreja ou templo sagrado e vai ao terreiro de umbanda, candomblé ou crenças de diversas culturas ou religiões.
 Este é um fato importante na cultura do país, o brasileiro se comporta como tal. As culturas entrelaçam-se. Os povos que vieram de outras civilizações assimilam os costumes, hábitos, religiões do povo que agora é seu povo, assim como traz para cá seus conhecimentos. O resultado é que temos uma cultura entrelaçada. A mistura de povos de diversas origens. A família de Sebastião acredita que um especialista lhe dará a cura.
Como na cidade não há médicos, resolve acreditar nos milagres. As pessoas católicas do Batatal, das Lagoas do João Gomes, do Olho D’água do Amaro, do Alto Bonito, e outros sítios, aspiram alimentar sua fé. Para elas, a fé é o sustentáculo. Segundo a tradição religiosa, o cristão reza e pede graças. Acredita que Deus salva os arrependidos e condena os pecadores; anseia pela indulgência de Deus. É a religiosidade que mantém a ligação entre o pensamento popular e o ecumênico. É o amálgama de doutrinas. Não poderia ser diferente, o povo miscigenado recebeu influências de raças diferentes. Os devotos agradecem com orações indulgências recebidas. As igrejas têm lugares cativos em tempos de Santas Missões e de festas da Padroeira.

A Matriz e a vida da cidade


A Matriz de Nossa Senhora Santana prepara-se com alegria para acolher o pregador dos evangelhos e acomodar os fiéis. A multidão de santanenses confunde-se com o pessoal dos sítios, e juntos renovam preces. Santas missões, encontro valioso em Santana. Frei Damião, mensageiro mais importante nas Missões da cidade. O Frei abençoa os cristãos. A praça da igreja lota com os abnegados. Frei Damião torna-se um fenômeno da popularidade religiosa.
 Pode-se dizer também que, Padre Cícero lá do Juazeiro é um padre santo. Frei Damião era mais conhecido na cidade de Santana, porque visitava a cidade. Fazia sermões, procissões de madrugada e até confissões. O padre Cícero, padre milagroso. As pessoas denominadas romeiras, viajavam para o juazeiro em caminhões, para esse fim. A família de Sebastião acredita no milagre de sua cura. A fé da família a levou para o pedido ao padre que faz milagres. Tudo isso faz parte da cultura do brasileiro.

A maravilha da cura


Está Amélia dando aula aos alunos em uma sala da casa, especificada para esse fim, quando aparece Sebastião caminhando sorridente e muito feliz. Não é rotina da criança chegar só, na sala. Sempre há um irmão ou irmã que o ajuda a se locomover. Dorinha é a irmã de Sebastião que mais o ajuda. Desta vez, Dorinha também participa da aula ministrada pela mãe e mestra. Grande surpresa e alegria de Amélia e Dorinha, quando chega a sala de aula o menino, que anda pela primeira vez.
Contudo, a sabedoria das duas gritou mais alto e agem com uma certa naturalidade para não assustar a criança. Coisas de quem ama. Preocupam-se em colocar uma cadeira para que Sebastião participe da aula, junto com as outras crianças. Amélia apresenta Sebastião aos meninos e diz que ele será o novo aluno daquela turma. Amélia fala que o aluno gosta de ler e poderá contar várias histórias para eles.
A professora Amélia conta aos alunos que os seus outros filhos gostam de estudar, mas preferem trabalhar. Fala que Sebastião é apaixonado por leituras e que leu os livros da biblioteca da casa. Enfatiza a professora: aqui temos um sistema de vida que foi herdado dos meus pais e dos pais de Pedro. Como vivemos da agricultura, todos trabalham na lavoura. Em um tom de brincadeira, com certa verdade, Dorinha fala que há um tratamento diferenciado para os meninos e as meninas.
Diz que ali, as regras estão bem claras, que as meninas ficam em casa e ajudam com a escola. Contudo, para Dorinha é muito bom colaborar com a educação das crianças. É motivo de alegria para a mãe e a irmã daquela criança de oito anos que começa a andar e frequentar a escola como os outros de sua idade. Ele não só quer estudar, quer também ajudar o pai com a lavoura. Como uma boa educadora, Amélia concorda que o filho poderá frequentar a escola e trabalhar na roça. Fala para os alunos que cada um dos filhos tem uma tarefa de acordo com suas possibilidades.
A medida que crescem, recebem por direito seu pedaço de terra. São as normas da família. Pedro vem de uma família de agricultores e adquiriu com ela o gosto pela labuta com a lavoura, com os animais e com todo o processo que faz parte do dia a dia nos sítios do Nordeste Brasileiro. A cidade de Santana que tem uma história religiosa, acolhe os vizinhos dos sítios mais próximos ou até os mais distantes.

Augusto Matraga


Para falar em sincretismo religioso e cultural, lembramos de Augusto Matraga da ficção. Começou a perder forças quando sua mulher foi embora na garupa de um cavaleiro, e ainda levou a filha. Ela não mais suportou suas grosserias. Procurar um coronel valente para tomar satisfação, foi a desgraça maior de Matraga. Apanhou tanto dos capangas e ainda foi jogado em uma grota, em estado deplorável. Daí, para todos, o valentão estava morto. Um casal de negros que morava perto da grota o socorreu e o tratou com remédios do mato e rezas da igreja católica. Até o padre fora chamado para lhe dar a benção final. Esse sincretismo religioso faz parte da nossa cultura.
Os negros que trouxeram sua cultura, assimilaram a que aqui já existia e, assim, amalgamando-se os costumes, crenças, resultou nesse povo brasileiro tão cheio de conhecimento. Augusto Matraga “comeu o pão que o diabo amassou”, pois estava todo quebrado e machucado. Diante de tanto sofrimento, foi compreendendo que a vida que levava estava completamente errada e começou a querer se purificar, tentar remediar os erros cometidos. Porque, segundo a crença da Igreja Católica, quem se arrepende dos pecados será perdoado.
O padre tem formação europeia, reza a missa em latim, ao tempo que ensina à dona da casa remédios caseiros da cultura do seu povo, como para curar o gogo dos frangos, e aconselhou o marido a pincelar água e cal no limoeiro, e a plantar tomateiro e pés de mamão.

A família Bau


Quem mora nas regiões dos municípios santanenses, conhece a família Bau. Negros, vindo de terras distantes, implantaram sua cultura ali, naquele sertão de Alagoas. Fica bastante claro como transmitem naturalmente tudo que aprenderam em sua terra. Frases, provérbios, conceitos, superstições, costumes, comidas, vestimentas e tantos modos de ser, de agir e até de pensar. Os moradores dali assimilam a cultura dos que chegam. Ao tempo que, os que vêm de longe também amalgamam-se aos costumes dos nativos.
 Maria Bau, representante desse passado, repete frases ou provérbios aprendidos em sua terra, transmite sua cultura, que agora não é mais sua, outros povos aprenderam, como também, ela outras culturas assimilou. Segundo Alfredo Bosi, “Não existe nenhuma cultura tão arraigadamente tradicional quanto a cultura popular”. Mulher negra, magra, falava pelos cotovelos. Morava ali naquela região.
Todos das Lagoas do João Gomes, do Batatal e das regiões vizinhas a conheciam ou dela ouviam falar. Seu Manuel Bau sempre a acompanhava em suas andanças.  As pessoas que andavam nas estradas sempre a ouviam falar. Repetiam: Maria Bau está ali, ouçam sua voz. Aquela voz era o passado histórico de um povo. Quando voltavam da cidade traziam novidades.
Compravam com o dinheiro dos produtos da roça, que juntos plantavam e colhiam. Às vezes era uma calça de casimira para Manuel Bau, outras, uma saia rodada e florida para Maria Bau   especialmente para vestir nas Santas Missões em Santana. Ou simplesmente um biscoito novo que aparecia na padaria. Valia a pena gastar aquele dinheiro.
Tudo era motivo para mostrarem as novidades aos vizinhos. Enquanto a mulher mostrava e contava as novidades, o marido a esperava com paciência. Como não era de falar, a esperava no alpendre, observando os bichos que passavam ou os pássaros que voavam. Dando baforadas para bem longe em seu cigarro de palha, como se levassem seus pensamentos para bem longe, para um tempo bem distante. Tempo em que ele não guardou lembranças, mas intimamente tem muitas saudades.
Manuel Bau jogava na fumaça seus pensamentos; Maria Bau falava, falava... quem sabe, desafogavam a dor de ter de deixar suas raízes. Assimilaram outra cultura. Tanto que se tornaram religiosos das Santas Missões. Somos hoje o resultado dessa cultura entrelaçada. Como diz Riobaldo, “religião seu moço, bebo de todas” ou “eu agora bebo de todos os rios”.

A cidade e a vida

As pessoas crescem junto com a cidade. Participam com ela das alegrias e das tristezas. Sabem de suas deficiências, também dos seus progressos. São integrantes de uma cultura enraizada, tendo como resultado a proliferação de bons frutos. Tantas famílias tomaram como berço Santana do Ipanema. Aprenderam dos antepassados e emprestaram seus conhecimentos a novas gerações. Formam a comunidade santanense. São o resultado de bens valiosos, sobretudo, o dom da dignidade. Povo que expande sua cultura. As pessoas de Santana que beberam e ainda bebem da água salobra do Ipanema, edificam suas raízes.
Para concretizar o milagre obtido pela família de Pedro Pacífico e Angelina Amélia, coroamos o amadurecimento do jovem que tinha dificuldades físicas. Aos oito anos de idade, curado e andando normalmente, tentou recuperar o tempo perdido e construiu tudo que sempre desejou. Tornou-se menino normal como as outras crianças. Trabalhou com a família, leu bastante e colocou em prática tudo que antes idealizou. Podemos pensar: uma criança tão pequena e já desejava independência! Certamente, houve bastante tempo para pensar. Idealizou sonhos e logo que teve condições, tentou transformá-los em realidade.
Trabalhou com a família na agricultura e “economizou”, como ele falava. Ao se tornar jovem, emancipou-se e foi para a cidade de Santana cumprir sua tarefa de cidadão trabalhador. Construiu família e a educou segundo seus princípios religiosos e morais. Os filhos de Pedro Pacífico e Angelina Amélia herdaram dos pais o dom do trabalho.
Todos trabalhavam na lavoura e, na fase jovem, emanciparam-se. Foram para a cidade de Santana e construíram vida nova. Sebastião estabeleceu-se no comércio da cidade e construiu sua família, dando a todos os filhos condições de também emanciparem-se. O nosso protagonista achava que a leitura era muito importante. Sem esta prática, como poderíamos crescer intelectualmente. Tanto amava os livros que conservava aqueles que achava importante.
Tinha um pensamento: as pessoas não precisavam de conselhos. Seria necessário promover exemplos, para que notassem. Assim deixava os livros em lugares que os filhos notassem. Assim como dava bons exemplos para que fossem seguidos. Também, negociou com livros, matérias escolares e artigos religiosos.
Viajava de Santana ao Crato, no Ceará, para trazer novidades para sua pequena livraria. Dificilmente, o encontrávamos sem um livro às mãos, nos dias de domingo. Reunia-se com os irmãos e amigos para lerem e discutirem “o jornal da igreja”. Sebastião na idade adulta esmerava-se em sua crença religiosa. Fiel e crente dos ensinamentos de Jesus Cristo e amante de tudo que fosse olhar o semelhante e ajudá-lo em suas necessidades.
Cumpriu e cuidou dos necessitados, sem nenhuma pretensão de louvor. Fazia por amor ao outro. Sua vida chegou ao fim, quando não mais possuía condições de ajudar os que precisavam, da maneira que ele preferia. Não mais andava, suas pernas paralisaram. Talvez se sentisse inútil. Não mais tinha condições de visitar seus amigos que precisavam de ajuda.
Como nossa história não é uma máquina de calcular, fazemos e vivemos nossa história. Desde os nossos antepassados, construímos o que há de ser nosso viver. Não acredito em pessoas e atos radicais. Claro que somos marcados pelas heranças e tradições, somos livres para moldurar e modelar nossas ações. Somos inteligentes para dar corpo a nossa imaginação e perceber o que pretendemos de nós mesmos, procurando as respostas em nossa cultura. Percebemos a cultura do nosso povo e a ela acrescentamos a que vivemos em nossa atualidade.
 Com a entrada do Modernismo, houve quem opinasse destruir todo o passado. Extinguir um mundo que já existia? Excluir os antepassados? Esquecer nossas raízes? Desejavam queimar bibliotecas e museus, abandonar o velho, só o novo seria interessante. Houve algumas perdas, tudo em nome do moderno, do novo. Com certeza não seria essa a proposta. Estaríamos destruindo toda nossa tradição. Seríamos um povo aculturado, sem história. Descendentes de quem? Aprendemos o quê? Contudo, não precisamos imitar o passado, seguir suas tradições, copiar o que vimos, o que ouvimos ou o que lemos.
Se o homem deve ultrapassar limites impostos, procurar meios de sobrevivências de acordo com a evolução dos acontecimentos, que procure adaptar-se a este mundo mutável. Enfatizamos as famílias que tiveram dificuldades. Com perseverança e fé conseguiram conquistar o projeto de vida que se apresentava. Adaptaram-se às circunstâncias. Provaram que a vida não é uma máquina de calcular.
As pessoas fazem o que há de ser o viver. Como nos diz Octavio Paz, no livro Os filhos do barro, “a questão da tradição da ruptura”, que deve haver uma relação entre o passado, presente e futuro, que a tradição deve ser suporte para alicerçar o presente e preparar o futuro.
Assim acontece. Buscamos na tradição do nosso povo o alicerce para nossa cultura, ao tempo que a atualizamos aos novos acontecimentos. Adquirir novos hábitos, conhecer pessoas diferentes faz parte do processo de civilização. Este processo contribui para o crescimento de cada um. O indivíduo socializa-se. É o compartilhar das culturas. Aceitar o comportamento do outro.

Aquele que chega até você com estilo de viver diferente do seu, do grupo que pertence, da família que faz parte. Esse diferente que chega precisa fazer parte do grupo que ali está. Deve respeitar hábitos e costumes, assim, como deve ser acolhido por quem o recebe, aceitando-o como ele é. Às vezes, aparece algo novo em nossa vida e teimamos em não aceitar. Temos preguiça de acumular mais um conhecimento. Perdemos porque é muito bom aprender. Se for bom ou ruim, saberemos com o tempo. A novidade pode incomodar os arraigados. Os que preferem estar conectados com o mundo, recebem as novidades deste mundo instável. Carlos Drummond de Andrade, da geração anterior, adaptou-se à nova forma de poesia, a poesia Pós Moderna.

Do trabalho escravo ao doutorado (II)

Amaro Hélio Leite da Silva é professor do Instituto Federal de Alagoas, mestre em sociologia pela UFAL, doutor em história pela UFPE, coordenador do Grupo de Estudos, Memória, Tecnologia e Etno-história de Alagoas (GEMTEH) e membro do coletivo Índios de Alagoas: cotidiano e etno-história.











Dois dedos de prosa
            Esta é uma bela história de vida de um homem que vem da periferia, transforma-se em um Professor Doutor e não perde suas raízes. É o caminho que percorreu o Professor Doutor Amaro Hélio da Silva. Além disso, o texto nos fala sobre o delineamento de todo um contexto social e político, desde a saída do meio rural ao encontro da periferia em Maceió.       
Sem dúvida Campus/O Dia agradece a oportunidade de poder publicar este texto  e convidar seus leitores para conhecer um pouco da vida de uma pessoa de altíssimo valor: Amaro Hélio da Silva.
Um abraço
Sávio de Almeida

UMA VIDA DE LUTAS E UTOPIAS –2
Amaro Hélio da Silva

As estratégias de sobrevivência na capital - Jacintinho
Na chegada ao Jacintinho, início dos anos 1980, já era uma família grande. Meus pais precisavam alimentar e educar a mim e mais quatro irmãos (Zé Nilton, Zenilda, Donizete e Ailton). Minha mãe fazia questão de colocar todos na escola, mas o meu pai exigia que eu e o meu irmão mais velho, Zé Nilton, ajudássemos no sustento da família. Não havia escolha para nós: era trabalhar ou passar mais dificuldades. Apesar de ainda crianças e quase adolescentes, eu e o Zé Nilton tínhamos que trabalhar. Meu pai não admitia a hipótese de que nós vivêssemos apenas de estudo. Para ele, o trabalho é o fundamento de tudo: alimenta, veste, paga o transporte e, principalmente, coloca a comida na mesa. A relação era simples: trabalho-dinheiro-vida social. Portanto, a escola era uma consequência desse processo. A pobreza alimentava essa visão pragmática e, consequentemente, a construção de uma família que não se permitia ao lazer, mas apenas a satisfação das necessidades básicas. 
Começamos a catar lixo reciclável: ferro velho, cobre, alumínio, garrafa de vidro, lata e todo tipo de material capaz de gerar renda. Para nós, apesar de sermos ainda crianças, era um misto de aventura, brincadeira e responsabilidade. Aventura no sentido de que era uma forma de explorar os bairros mais próximos e descobrir coisas novas. Enquanto procurávamos ferro velho, descobríamos sítios de frutas, que matavam a nossa fome na hora do aperreio; achávamos brinquedos quebrados, que reaproveitávamos em casa com os nossos irmãos. Era uma forma de ganhar um dinheirinho e de inventar nossas próprias brincadeiras. Foi desse modo que descobrimos a rua, as praias e a maloqueiragem, que passou a ser, ao mesmo tempo, nossa estratégia de sobrevivência e nossa grande ameaça na rua.
Com o pouco dinheiro conseguido na venda do ferro velho passamos a procurar outras alternativas de renda. Compramos algumas frutas (principalmente manga e amendoim), duas caixas de isopor e alguns saquinhos de plástico para vender flau e picolé na rua e nas praias. Minha mãe assava os amendoins e fazia os flaus. Durante a semana, saíamos com os nossos carrinhos de mão (feitos por nós, com caixote de madeira) vendendo manga pelas ruas, que era mais barata e mais fácil de “achar” nos sítios vizinhos. No final de semana, íamos vender flau e amendoim na praia.
Sempre saia acompanhado do meu irmão Zé Nilton. Além de protetor, ele era o meu professor para as “coisas da rua”, em especial para as vendas das nossas mercadorias. Foi ele que me ensinou a negociar o preço de acordo com o tempo de validade da mercadoria e com o poder aquisitivo do cliente. Era ele quem me protegia dos maloqueiros da rua, pelo menos, quando era possível. Lembro que uma vez apanhamos na rua e em casa. Tudo por causa de uma turma de maloqueiro que chupou os nossos flaus e não pagaram; nós reclamamos, levamos uns cascudos na cabeça e alguns pontapés; e, quando chegamos em casa, sem o dinheiro, levamos uma surra de tabica feita com galho do pé de carambola. Era a forma de punição que a minha mãe encontrava para nos ensinar a sua moral social e cristã.
Em meados da década de 1980, nasceram meus dois irmãos caçulas, Francisco (Chiquinho) e a Elizabete (Bel), completando nove pessoas na família: meus pais, eu e mais seis irmãos. Meu pai recebia apenas um salário mínimo para sustentar toda família. Até hoje, não consigo entender como o meu pai conseguiu esse feito, apenas com o suor do seu trabalho, numa época de inflação alta. É um mistério que, se desvendado, daria uma boa tese de doutorado. Hoje, posso afirmar que são as estratégias de sobrevivência da pobreza; algumas delas até foram reveladas, mas outras continuam um mistério, estar para além de uma simples leitura da economia doméstica dos pobres.
Para compreender as estratégias de sobrevivência criadas pelo meu pai é preciso ir ao cotidiano da nossa casa, da nossa “economia doméstica”, dos nossos códigos de conduta familiar. A minha grande referência é a feira que o meu pai fazia aos domingos, no Mercado da Produção, na Levada. Meu pai sempre levava dois filhos para acompanhá-lo; geralmente, os mais velhos. Para nós, era o melhor dia da semana. A cada compra de frutas, o meu pai pechinchava para levar algumas mercadorias extras. Saíamos da feira de barriga cheia de tanto comer banana e manga.
A feira da gente era sempre a mesma; limitado pelo pouco dinheiro, meu pai dificilmente mudava a lista de compra: banana, manga, feijão, arroz, macarrão, farinha, frango, carne com osso, mortadela, ovos e, às vezes, quando o dinheiro sobrava um pouco mais, tinha uma carne sem osso e um peixe. A marca dos produtos pouco importava, pois se comprava o que o dinheiro desse. Tudo era meticulosamente contado e medido para poder passar uma semana. Caso acabasse algum item, passava-se com o que tinha.
O domingo era o dia da semana mais esperado por nós. Era o dia da feira, dia de “fartura” em nossa casa, além de ser o dia da melhor refeição. Minha mãe fazia uma galinha guisada com purê de batatas que, apesar de se repetir por muitos anos, nunca deixou de ser o nosso prato preferido. Era um dia quase sagrado, feito ritual, que fortalecia os laços da família: logo cedo, meu pai ia à feira; ao meio-dia, almoçávamos deliciosamente; ao final da tarde, íamos a missa, na Igreja Santo Antônio; e à noite, assistíamos Os Trapalhões, um dos programas humorísticos de grande sucesso da televisão brasileira.
Para fazer “render” a feira da semana, minha mãe sabia exatamente a quantidade que cada um deveria comer, e, justamente por isso, era ela mesma quem colocava os nossos pratos. A quantidade de comida e a qualidade dos pedaços de carne eram de acordo com a idade e a responsabilidade de cada um na família; os mais velhos comiam os melhores pedaços. À noite, tomávamos café, que poderia ser acompanhado de pão, cuscuz, batata doce, macaxeira, ou inhame; mas, geralmente, era cuscuz. A gente não jantava, a gente tomava café, porque jantar não fazia parte do nosso vocabulário familiar.
Dificilmente a gente comia pão quentinho. Meu pai comprava pão do dia anterior, porque além de ser mais barato, ele comprava de saco para comermos em dois ou três dias. Lá em casa, não existia “a hora do lanche”. Só descobri essa hora quando fui estudar na Escola Theonilo Gama, uma escola pública perto de casa. A escola dava um lanchinho simples, mas era um reforço importante para a nossa alimentação. O cardápio era sempre o mesmo, mas a gente gostava: um dia, era bolacha com leite; outro, era cuscuz com leite; e, quando variava um pouco, aparecia arroz com almôndegas...
Minha mãe costurava as nossas roupas, inclusive os nossos lençóis, que eram feitos de saco de açúcar, tipo de tecido parecido com algodão cru, que vai amaciando com o tempo. Roupa nova só uma vez por ano, quando íamos comemorar o Natal na Sococo, que era nossa única festa do ano. Como não tínhamos lazer e não comemorávamos aniversário, esperávamos o ano inteiro por essa festa.
A Sococo fazia da festa de Natal um ritual de fortalecimento da família e da hierarquia da empresa, separando as mesas dos empregados (que eram as mesmas do refeitório) das mesas dos dirigentes (que eram arrumadas por família, forradas e com cadeiras estufadas). Todos comiam e bebiam à vontade e os filhos dos empregados ainda ganhavam uns presentinhos de Natal: boneca, bola, carrinhos... Tudo muito simples, mas para uma família que não sabia o que era festa ou presente, era só felicidade.
No final da festa, a empresa homenageava com uma plaquinha os funcionários mais antigos e dedicados, uma espécie de homenagem ao “operário padrão”. Lembro do dia em que meu pai foi homenageado pelos dez anos de empresa. Foram dez anos de trabalho –  fazendo inclusive muitas horas-extras para aumentar um pouco o salário mínimo que ele recebia – sem nenhuma falta, a não ser por motivo de doença, que era raro. Apesar da homenagem e dos longos anos dedicados à empresa, meu pai nunca foi promovido ou recebeu mais do que um salário mínimo.
Sempre enfrentamos muitas dificuldades, mas a fé da minha mãe e a determinação para o trabalho do meu pai nos ajudaram a superar os problemas recorrentes do cotidiano de pobreza. Minha mãe sempre foi rígida quanto a nossa formação religiosa. Havia uma formação católica, que na percepção da minha mãe, jamais poderíamos fugir: começava com a catequese; depois vinha a primeira comunhão; e por fim, a crisma; além das missas aos domingos.
A catequese formou a base dos meus princípios cristãos. Diferentemente das formalidades das missas aos domingos, a catequese, era uma forma de brincar, refletir sobre os preceitos cristãos e fazer amigos. Fazíamos catequese no Centro Comunitário Santo Antônio, no Jacintinho. Dentro da catequese, fazíamos parte da Juventude Unida em Cristo (JUC), que era diferente da Juventude Universitária Católica (a JUC da esquerda católica dos anos 60); porém, havia uma ligação profunda com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), onde a prática cristã ganhava sentido com a vida em sociedade, sobretudo na luta pela causa dos pobres. Era, na verdade, uma herança do Concílio Vaticano II, que assumiu o compromisso com os pobres desde a esquerda católica, passando pela Teologia da Libertação e chegando as CEBs. Daí a existência de organizações católicas como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entre outras. Talvez isso tenha me aproximado dos movimentos sociais, da União da Juventude Socialista (UJS) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), alguns anos depois.
Nossa formação católica – orientada, sobretudo, pela minha mãe – formava nossa moral cristã. Nunca fui muito fiel a esses preceitos religiosos, mas, sem dúvida, eles guiaram os meus atos e formaram a base da minha personalidade. Um exemplo disso era a minha negação em participar das “relações perigosas” do Jacintinho. Não sei se tinha mais medo do pecado ou da pisa da minha mãe, mas o fato é que eu e meus irmãos conseguimos nos livrar da bandidagem que era comum à parte dos adolescentes do bairro, sobretudo às drogas e o roubo.

Jacintinho de festa e maloqueiragem
A violência e as drogas sempre estiveram próximas das nossas vivências no Jacintinho. A “FM” (hoje, Rádio 96 FM) era uma rua vizinha à nossa casa que se tornou um ponto de encontro de todas as “tribos” do bairro: regueiros, lombreiros, “maconheiros” e todo tipo de maloqueiro. Era comum a venda e o consumo de maconha na rua, além de outras drogas. A minha formação católica distanciava-me do consumo e do tráfico, mas não me impedia de conviver nesse meio. Inclusive, entre os meus melhores amigos tinham evangélicos, regueiros, maloqueiros e maconheiros; e, quando era possível, todos compartilhavam das mesmas brincadeiras e sonhos, apesar de alguns estranhamentos de vez em quando, é claro.

A ideia de maloqueiro surgiu para identificar aquele que vivia na maloca, o índio; e, em virtude do preconceito que se criou em cima deste, foi associado a gente preguiçosa, rebelde e que não gostava de trabalhar. Hoje, maloqueiro é um estereótipo que passa a identificar aquele que mora em cabana, barraco ou favela; ou seja, o pobre que vive na periferia das grandes cidades, numa “vida marginal”. É interessante notar como esse estereótipo é reproduzido pelas páginas policiais dos jornais locais, associando a ideia de maloqueiro ao comportamento rebelde dos jovens da periferia ou à sua condição de pobreza.  
No meu tempo de morada no Jacintinho, maloqueiro tinha um duplo sentido: que poderia ser identificado tanto como malandro ou como marginal. Era uma espécie de sujeito que desafiava as regras e a moral vigente. Para alguns, maloqueiro era sinônimo de vida bandida, associada ao roubo e ao crime. Para outros, maloqueiro era uma espécie de malandro, sujeito desocupado, que não estudava e nem trabalhava, mas era bom de briga e sabia se livrar da bandidagem. Alguns destes tornaram-se uma espécie de “justiceiro”, que protegia os moradores dos marginais. A separação entre uma e outra forma de vida maloqueira era muito sutil. A juventude do Jacintinho dificilmente escapava desse destino, com algumas exceções. Eu mesmo, embora tenha me aproximado muito dessa “vida marginal”, tinha medo de me tornar um pela proximidade que eles tinham com o crime. 
Na rua da FM, a convivência com viciados e traficantes de droga era corriqueira. Pelo fato de alguns amigos meus se tornarem viciados, aprendi a conhecer algumas drogas e os seus efeitos. A maconha era a droga de iniciação, seguida do Rufinol – um calmante muito usado no tratamento de pessoas com problemas psíquicos – mas que se misturado à bebida alcoólica ou a Coca-Cola pode se tornar uma droga perigosa. Eu e meu irmão mais velho éramos constantemente convidados a provar essas drogas, mas a nossa moral católica e o medo sempre nos afastou dessa experiência. Medo das consequências morais, medo de levar uma surra de tabica de carambola ou medo de pecar contra os nossos princípios cristãos, que, para nós, significava entrar no mundo da bandidagem, dos viciados, isto é, no mundo do crime. Para nós, “maconheiro” era sinônimo de marginal. É claro que estávamos influenciados por mais um estereótipo, pois hoje sabemos da necessidade de se distinguir o consumidor do traficante. O problema era a relação preconceituosa que a sociedade, inclusive a opinião pública-midiática, fazia e ainda faz entre pobreza, maconheiro e marginal.
Havia uma espécie de rito de passagem para uma “vida maloqueira”. Para ser maloqueiro respeitado era preciso ser aventureiro, bom de briga, esperto e regueiro; isto é, viver próximo de uma conduta sempre perto do perigo. Minha iniciação na maloqueiragem começou “maiando” nos ônibus coletivos. “Maiar” era andar de ônibus sem pagar a passagem, o que poderia acontecer de várias formas: passar por baixo da catraca; passar dois de uma vez só na catraca pagando apenas uma passagem; ou o que era mais comum: esperar o ônibus parar no ponto e descer pela trazeira. O grande problema desta “prova” era ficar preso na catraca ou ficar preso na porta e  ser arrastado pelo ônibus. Eu tinha muito medo de ficar preso na porta, mas como vivia “liso” (sem dinheiro) e era uma forma de aventura, terminei entrando no embalo.
A maloqueiragem fazia a “festa” no carnaval. Na folia de Momo, a rua Bonfim – onde eu morava e uma das principais do bairro – era transformada em território do povo e, em especial, dos maloqueiros. Aí todo mundo se misturava na folia do mela-mela e do vale tudo: valia se melar e melar os outros de tudo: maisena, pó de bebê, ovo podre, carvão, cal e tinta. A pretexto de tomar cachaça valia sair fantasiado de laurça, de boi de carnaval ou vestido de mulher para pedir dinheiro ao povo, com a famosa musiquinha: “laurça quer dinheiro quem não der é pechincheiro”; valia até roubar boné ou chapéus dos “otários” que vacilavam nos ônibus. Todo estranho que passasse pelo bairro de boné ou chapéu – seja a pé, de ônibus ou de carro – se desse bobeira, era roubado, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Era a inversão permitida pelo carnaval ou uma forma de justificar o roubo.
Embora a “vida maloqueira” pudesse levar a violência e ao roubo, havia um código moral que impedia essas práticas contra os moradores do bairro. O roubo dentro do próprio bairro era punido com linchamento. A violência, geralmente, estava associada às drogas ou a briga de galera.
Depois do carnaval, a festa junina era uma das festas populares que mais mobilizava os moradores do Jacintinho, formando “quadrilhas” (ou arraial como é mais conhecido) em quase todas as ruas do bairro, onde era grande a disputa pela melhor ornamentação, o melhor forró, os melhores dançarinos; enfim, pela mais animada festa de São João. A “quadrilha” era uma forma de trazer o interior – com sua vida rural – a vida urbana de Maceió. As ruas eram enfeitadas com palhas de coqueiros, bandeirolas coloridas, palhoças e fogueiras. Havia muitas “quadrilhas” no Jacintinho, bonitas e animadas, mas uma das mais belas era a da Dinha, no Conjunto José da Silva Peixoto, chegando a ganhar vários prêmios de concursos juninos e ser reconhecida como uma das melhores de Alagoas, pelo menos durante os anos 1990.
Não sei se os outros bairros tinham a tradição junina do Jacintinho, é muito provável que sim, mas sei que o Jacintinho se transformava basicamente em uma cidade do interior, onde cada rua formava sua quadrilha. Nos outros bairros, lembro que havia bons palhoções para dançar forró (era o caso da Jatiúca, Sanatório e Serraria), mas para curtir mesmo as festas dos santos juninos só na periferia, especialmente no Jacintinho, no conjunto Peixoto. O problema foi quando junto à massificação da festa no Peixoto, veio junto à violência, nos anos finais da década de 1990, provocando brigas, roubos e até mortes. Essa onda de violência levou ao fim das grandes festas juninas no Jacintinho, pelo menos, nos moldes que tínhamos antes, tomando como referência a rua do Arraial da Dinha.

Paralelo às festas juninas, a cada quatro anos, acontecia outro grande momento de confraternização popular, a Copa do Mundo de Futebol. Foram muitas Copas que se transformavam em festa de carnaval e/ou de São João. Nas minhas lembranças ficaram as alegrias e tristezas da Copa do Mundo de 1982. Tinha apenas 9 anos de idade, mas até hoje, não vi uma seleção brasileira de futebol tão empolgante e apaixonante como aquela. Lembro da rua do Bonfim toda pintada e enfeitada com bandeirolas e balões juninos com as cores do Brasil. Os dias de jogos da seleção, viravam feriados nacionais, eram um ritual quase sagrado: o povo vestia a camisa verde amarela, abriam as portas de suas casas e se juntavam para celebrar os nossos heróis de chuteira. Liderada por Telê Santana, a seleção encantava com Zico, Sócrates, Júnior, Falcão, Cerezo e companhia. Era o futebol arte em ação.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Humor e poder nos traços de Léo Vilanova: a vida estadual

 Este é o trabalho do Léo: seus textos sobre Alagoas. A águas que tanto nos demarca, dá o tom da tragédia como resultado político. A soma de anos de descuido com a urbanização da cidade e privilegiamento do capital ligado ao imobiliário
Os desenhos do Léo são publicados diariamente pela Gazeta de Alagoas.





Humor e poder nos traços de Leo Vilanova: a política nacional




Sou fan de carteirinha do Léo Vilanova. Alagoas teve e tem grandes cartunistas e dentre eles, Léo está em primeiro plano; não se trata de algo gratuito, é que faz uma bela reflexão sobre a vida e a política, conseguindo o efeito inusitado da comunicação imediata em seus desenhos: a leitura do nosso andamento em traços e cores de forma magistral. Os desenhos do Léo são publicados mensalmente pela Gazeta de Alagoas.