Translation

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Educação e povo: legado de Élcio Verçosa


Dois dedos de prosa

Esta é uma homenagem realizada por Campus, a um dos mais importantes intelectuais alagoanos: Professor Dr. Élcio Verçosa.  Dois de seus amigos e companheiros de trabalho, abordam sua vida.
Minha admiração é e sempre foi grande. Campus/O Dia tem a chance de homenagear a uma grande figura humana e a um grande cidadão brasileiro e, eu, este  mirrado escriba, tem a possibilidade de mais uma vez declarar sua amizade e admiração por ele. Agradecemos a todos os que colaboraram neste número, especialmente à Albinha e Graça.
            Vamos ler
            Um abraço
            Sávio



I – Um pouco sobre um amigo
Luiz Sávio de Almeida




Este número de Campus/O Dia presta uma singela homenagem ao Professor Élcio Verçosa, cuja trajetória é conhecida em Alagoas, especialmente no campo educacional onde viveu densamente. Os chamados grandes homens são assim: a vida se infiltra em cada minuto do cotidiano, de tal modo que ele sai reproduzindo-se, anonimamente, em uma infinidade de outras vidas. É o que acontece com Élcio e ninguém pode dizer onde ele termina e onde começa.
A qualquer desavisado, pode parecer que estamos a  cometer um exagero, mas não é.  Estamos diante de um tipo de intelectual público, capaz de estar e discutir a vida do seu povo, de uma forma aberta e forte. Não se tem a menor discussão sobre a educação em Alagoas, sem que direta ou indiretamente, as suas ideias estejam presentes, sobretudo através dos seus alunos, por ele ensinados a tentarem uma educação que seja, também, uma luta pelo que se convencionou chamar de justiça social.  A relação entre construir a educação e a sociedade, sempre esteve clara em sua cidadania que se repartia em diversos setores,  desde a sala de aula às lutas sindicais.

II - Biografia e Trajetória de Elcio de Gusmão Verçosa
Ivanilda Verçosa

Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas por indicação unânime de seus pares do CEDU, título do qual muito se orgulha e que foi outorgado pelo Conselho Universitário da UFAL, Elcio de Gusmão Verçosa nasceu em Porto Calvo, em 14 de outubro de 1944. Fez seus estudos primários no grupo Escolar Rocha Pita, ainda em Porto Calvo, após ser alfabetizado por uma prima e madrinha – Maria Helena Buarque Ferreira. Filho de Benedito Aires de Verçosa e Dina de Gusmão Verçosa, é o quinto de dez filhos.
Em 1957 entrou para o Seminário Menor da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, em Pernambuco, onde cursou o ensino fundamental (antigo ginasial) e o ensino médio (antigo colegial). Após o noviciado, fez o Curso completo de Filosofia. Em 1967, deixa a Congregação e volta a Maceió, onde faz o vestibular para Letras – Português-Inglês, concluindo em 1970.
                     Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFAL foi presidente do Diretório do Curso de Letras, durante o período de chumbo da ditadura militar 1968-1969 onde enfrentou lutas históricas contra o CCC - Comando de Caça aos Comunistas, grupelho liderado pela família de Wanilo Galvão, famoso integralista de Alagoas.
Em 1968 participou das manifestações estudantis contra a ditadura, pelas liberdades democráticas e em 1969 engajou-se na luta contra o AI-5. Nesse período, participou ativamente como ator, do Grupo teatral “Os Corujas”, da Faculdade de Filosofia, dirigido por Sabino Romariz. Fez parte do corpo de atores das peças “Revolução dos Beatos” e “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes e de “Mortos Sem Sepultura” de Jean-Paul Sartre. Era a fase da resistência por meio da arte teatral, já que o AI-5 proibira as manifestações de rua.
Em 1970 termina o Curso de Letras – Bacharelado e Licenciatura – e se casa com a companheira de magistério e de movimento estudantil, Ivanilda Marques Soares, que passou a se chamar Ivanilda Soares de Gusmão Verçosa e desse casamento nasceram dois filhos: Elcio Verçosa Filho e Catarina Verçosa, mãe de Diógenes Verçosa Domecq,  único neto.
A partir de 1970, quando o regime militar endureceu as perseguições aos democratas revolucionários, passou a acolher em sua casa, como outros democratas e progressistas, guerrilheiros que fugiam da repressão, vindos do Araguaia para São Paulo. Até hoje somos amigos de alguns que sobreviveram aos tempos de chumbo.
Professor de Língua e Literatura Portuguesa e Língua Inglesa em colégios do setor privado como Marista de Maceió e Imaculada Conceição, foi selecionado para lecionar Português na rede estadual de ensino em 1968. Em 1975, foi aprovado em concurso público para a então Escola Técnica Federal de Alagoas – ETFAL, passando a lecionar Língua Portuguesa e Literatura Brasileira até 1980, quando foi selecionado como Professor substituto para o CCSA – Centro de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas. A partir daí começou a construir sua carreira acadêmica e sindical no ensino superior, desligando-se da ETFAL ao ser aprovado na seleção de Mestrado da Faculdade de Educação da UFPe e, em 1984, tornou-se Professor Auxiliar da UFAL, aprovado em concurso público.
No final da década de 1980, liderou o movimento, junto com outros companheiros docentes, para a criação do Centro de Educação – CEDU, que se tornou referência na UFAL e no Estado de Alagoas na formação de dezenas e centenas de educadores, pedagogos com uma visão humanista e social da Educação. Foi seu primeiro Diretor eleito pelo voto de docentes, estudantes e funcionários, como também Professor de disciplinas como Métodos e Técnicas de Ensino, Planejamento e Política Educacional. Elcio escreveu sobre a criação do CEDU: Depois de conseguir se reorganizar de fato, nos meados dos anos 80, após árdua batalha política, em três departamentos, será no fim dessa década que o TFE, o MTE e o APE, desprendendo-se do CCSA, criarão o CEDU, resultante de um projeto nascido do empenho e do ideal dos que queriam que a educação, no seio da UFAL,  continuasse sendo um espaço de formação cada vez mais comprometido com a nova realidade educacional alagoana, através de uma atuação crítica, investigativa, politicamente competente, capaz de manter interlocução com a sociedade e seus dirigentes, e cada vez mais ávida por transpor os muros que frequentemente encastelam a Universidade e tendem a fazê-la alienada do seu tempo e de sua realidade. Por isso, assumimos, desde a primeira hora em que fomos instituídos, como prioridade absoluta, a Educação Pública, e perseguimos, como meta central, a qualificação de nossos quadros.”
Mais tarde, já nos anos 1990, após concluir o Doutorado em Política Educacional na FEUSP – Faculdade de Educação da USP, também liderou a criação dos Cursos de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado no CEDU/UFAL – ao tempo em que dava aulas na graduação, orientava dissertações de alunos do Mestrado e Doutorado e dirigia o CEDU.
TÍTULOS: pelos relevantes serviços prestados à Educação de Alagoas, recebeu vários Títulos honoríficos: em 2004, foi agraciado com o Título de Cidadão de Maceió, outorgado pela Câmara de Vereadores de Maceió; em 2006, recebeu o título de Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas, outorgado pelo Conselho Universitário – CONSUNI; em 2007, a Comenda do Mérito Educativo, outorgada pelo Conselho Estadual de Educação de Alagoas, do qual foi Presidente sempre eleito por seus pares; em 2013 recebeu a Comenda Padre Teófanes Augusto de Araújo Barros, outorgada pela Assembleia Legislativa de Alagoas, também pelos relevantes serviços prestados à Educação em terras alagoanas. Autor de vários livros sobre História da Educação em Alagoas, sobre Cultura e Educação, Educação Superior, sozinho ou em parceria, participou de diversas Bienais do Livro em Alagoas, sempre com lançamentos de novos livros ou novas edições dos já esgotados.
Resumindo sua trajetória, é Avaliador de Cursos Superiores, Faculdades e Universidades pelo INEP/MEC desde o ano de 2000. Com vastíssima experiência no Ensino Médio e Superior de Alagoas, aposentou-se da UFAL em 2006, tendo sido convidado para ser Professor Visitante da UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas que ajudou a criar quando Presidente do Conselho Estadual de Educação. A função de Professor Visitante exerceu até 2010, quando foi convidado pela Direção da Faculdade SEUNE e aceitou ser Coordenador Acadêmico e docente dessa Faculdade, onde se encontra atualmente.

III - O SINDICATO NA RELAÇÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Profª Alba Correia                                           

APAL-SINTEAL, CPB-CNTE, ADUFAL.


       
    Escrever sobre Elcio Verçosa no espaço de um artigo é tarefa complexa por alcançar diversas dimensões de sua intervenção na sociedade como educador, sindicalista, gestor, intelectual de significativa produção acadêmico-científica.
Com foco no sindicalismo e apoio de testemunhos na luta, este registro perpassa a capacidade do educador em promover interações entre pessoas, projetos, instituições. Ele mesmo, formulador de concepções e proposições em favor da educação entre os direitos humanos fundamentais, defende o conhecimento da realidade como norteador do compromisso com o mundo social, político e cultural na perspectiva das transformações sociais.
Contextualizada, sua história de vida traz a década de 60 (Século XX), quando o Brasil e o mundo enfrentavam grandes transformações na realidade econômica, sociopolítica e no campo dos paradigmas e valores.
Nesse período, a Igreja Católica, vivenciando o Concílio Vaticano II (1962-65), por nova ênfase à paz, ao desenvolvimento e à justiça social, busca um novo pensar e agir na realidade. São posições com reforço na América Latina (1969) – cenário de regimes ditatoriais de ação repressora – que impulsionam a Igreja a redefinir seu perfil, articulando-se a segmentos políticos e sociais do campo progressista, com protagonismo mais consequente em favor da justiça e da liberdade.
No Brasil, o golpe militar de 1964 rompe os anseios do país em torno do Governo João Goulart, impede a perspectiva de um modelo nacional de desenvolvimento, exercendo brutal repressão sobre democratas e patriotas. Por suas contradições, esse contexto fomenta a politização e mobilização dos movimentos sociais, organizações partidárias, unificando propostas de luta ligadas à liberdade, direitos humanos, justiça social, pela redemocratização do país.
Ao acirramento da repressão, a resistência democrática assumia as bandeiras das eleições diretas, da anistia para presos políticos, mortos e desaparecidos, da Assembléia Nacional Constituinte, articuladas a pautas específicas ligadas aos direitos sociais e trabalhistas.
Assim se apresenta o ideário e a base de formação de Elcio Verçosa, desde seu ingresso na Ufal (1967), integrando o conjunto das lideranças estudantis de Alagoas contra o arbítrio, em defesa da educação pública, construindo a prática democrática na escola e na sociedade. 
Presidente do Centro Acadêmico do Instituto de Letras e Artes – Ila/ Ufal (1968-69) participa do período efervescente de lutas do movimento estudantil contra o regime militar, enfrentando os efeitos do AI 5/1968, do Decreto 477/1969 e do Acordo Mec/Usaid. Formado em Letras pela Ufal (1967-70), é admitido no Serviço Público Estadual, como professor e gestor da escola pública (1967-83), período marcado pela falta de atendimento às principais diretrizes básicas para a educação: a elevação dos níveis de escolaridade e a formação dos estudantes segundo as demandas de sua realidade.
Na vida profissional, o movimento sindical integra seu novo campo de ação política. Na Associação de Professores de Alagoas/Apal marcada, desde sua criação (1965), pelo atrelamento ao governo do Estado, Elcio Verçosa projeta-se liderança do Movimento de Professores (Décadas 70-80), impulsionando a participação da categoria na defesa da escola pública de qualidade e da valorização profissional.
A organização dos professores também acompanhava a luta pela transformação da Confederação dos Professores do Brasil/CPB, conduzindo Elcio Verçosa e outros/as companheiros/as à participação de articulações e eventos nacionais, por novas proposições para a educação e a sociedade brasileira.
Nesse caminho, em 1980, as eleições para a direção da Apal encontram uma oposição organizada com significativas lideranças da capital e do interior, compondo-se a Chapa APAL PARA O PROFESSOR encabeçada por Elcio Verçosa. Mas, no enfrentamento ao autoritarismo de governadores indicados pelo regime militar, a organização dos professores, embora expressiva, não conseguiu barrar a ação repressora que manteve a política de atrelamento da Apal.
O movimento resiste e cresce, aproximando bandeiras específicas à luta da sociedade brasileira pelas liberdades democráticas e os direitos dos trabalhadores, para alcançar seus objetivos em curto espaço de tempo.
Elcio Verçosa vai buscando sua qualificação profissional e, aprovado em concurso público, ingressa na Ufal em 1980 como professor. Um novo campo de atuação sindical vai encontrar na Associação dos Docentes da Ufal/Adufal, fundada em 1979, ano da conquista da anistia para os brasileiros. Élcio é eleito Presidente, na Chapa NOVADUFAL para o biênio 1985-87.
Em sua nova tarefa, empenha-se no fortalecimento do debate político sobre a missão da Ufal – criar, manter e compartilhar o conhecimento e a cultura da sociedade em função de seu desenvolvimento – e na consolidação da gestão democrática, concretizada em 1989; intensifica a mobilização pela valorização dos professores, conduzindo a greve de 1987 com pauta nacional unificada e, no plano interno, a melhoria da estrutura e funcionamento da entidade.
A trajetória de Elcio Verçosa revela sua capacidade de, refletindo sobre a dinâmica conjuntural na articulação de concepções e ações, potencializar sua intervenção na sociedade, sempre atento à formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a educação, na perspectiva das transformações sociais.

IV – Élcio Verçosa: tempo e vida
Graça Tavares


“      Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito para ser insignificante” (AUGUSTO BRANCO, poema VIDA)

Essa frase diz muito do que penso e sinto sobre Élcio de Gusmão Verçosa.
Convivi com Élcio em várias etapas de minha vida acadêmica e social, inclusive como sua vice-diretora no Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas, e posso afirmar que determinação, paixão e ousadia sempre foram as diretrizes que nortearam suas ações enquanto gestor/líder e ser humano.
A literatura da área de administração afirma que dentre outras tantas coisas que caracterizam um gestor destacam-se o gostar e entender de gente. Isso mesmo, da figura humana. Métodos e processos bem elaborados são de fundamental importância para uma boa gestão, mas sempre haverá uma pessoa para torná-los eficazes.
Segundo Peter Drucker, pai da administração moderna, administrar é fazer as coisas direito, utilizando a autoridade inerente da hierarquia formal para obter o cumprimento dos membros organizacionais e liderar é fazer as coisas certas através da habilidade de influenciar um grupo para se alcançar objetivos. Élcio, você soube, como ninguém, exercer a função do gestor e líder no Centro de Educação da UFAL para alcançar os objetivos propostos que se efetivavam na defesa da educação pública, gratuita e de qualidade social; no compartilhamento das informações com todos os envolvidos na elaboração e construção dos projetos que sempre visaram à melhoria dos cenários educacionais: alagoano e brasileiro.
Acredito que o determinante para o sucesso das pessoas nos locais de trabalho são a dedicação e eficiência com que conduzem suas atividades profissionais e a honestidade que empregam na realização de suas tarefas. Élcio, a determinação e ousadia na forma como se colocou enquanto gestor mediador de um projeto educacional, na Universidade Federal de Alagoas, cujo lema foi OUSAR PARA AVANÇAR, que, dentre outras conquistas, possibilitou as condições concretas para a criação do Programa de Pós-Graduação em Educação, o que veio a se concretizar em 2001; a reestruturação dos espaços pedagógicos e de melhoria das condições de trabalho no Centro de Educação; a formulação de novas formas de parcerias com a sociedade alagoana e na democratização dos processos coletivos de tomada de decisão na universidade, são exemplos de sua gestão e liderança.
Sim, Élcio, sua energia, entusiasmo e atitude positiva diante dos embates sobre a política educacional brasileira e alagoana colocaram o Centro de Educação em lugar de destaque no cenário universitário e nos vários espaços sociais onde o CEDU era convidado a participar. A concepção de gestão universitária, voltada para a transformação social, que implica um repensar sobre novas formas e concepções de trabalho docente, em sua visão mais ampla, enquanto pesquisador, gestor e professor possibilitou a produção de artigos e livros coletivos que socializavam as nossas reflexões sobre o fazer pedagógico cotidiano e seus impactos na política educacional.
Mais uma característica que quero ressaltar aqui é sua capacidade de mediar conflitos. Como você possibilitava a construção de uma percepção hegemônica, entre todos que participavam de seu convívio, sobre a finalidade do ato de administrar ao destacar que, tanto os princípios quanto a função da gestão estão diretamente relacionados aos fins e à natureza da organização em uma dada realidade social, nesse caso, a educacional, possibilitando que todos se sentissem contemplados nas metas então estipuladas e com isso conseguindo a adesão para a concretização das mesmas.
Como poucos você soube perceber que “a vida é mutirão de todos, por todos mexida e temperada” como afirma Guimarães Rosa em seu livro Grandes Sertões: Veredas e o seu fazer político-administrativo na UFAL foi um fazer pedagógico, pois se desenvolveu no ato de ensinar, no planejamento, na gestão, nas relações com a comunidade acadêmica e educacional fora e dentro da universidade. Esse é o legado deixado para todos nós que tivemos a ventura e aventura de fazer parte de sua equipe e de sua história de vida. Obrigada por tudo!


Nenhum comentário:

Postar um comentário