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domingo, 13 de novembro de 2016

Mulher negra



On the Black Woman: Life and Prejudice  
sur la femme noire:  vie et  préjulgué
sobre la mujer negra:  vida y  prejuicios
sulla donna nera: la vita e il pregiudizio


‘’E NÃO SOU UMA MULHER?’’:  UMA REFLEXÃO SOBRE AS VÁRIAS FACES DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER NEGRA
Elita Moraes
Advogada e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), membro do Movimento Mulheres em Luta.
Larissa Gouveia
Estudante de pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), membro do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro.

Em 2015 o Mapa da Violência sobre homicídios de mulheres no Brasil causou consternação ao registrar um aumento considerável e preocupante dos homicídios de mulheres em todo país. Os dados eram espantosos porque, não só demonstrava um aumento vertiginoso desses índices, como registraram que o Brasil, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), está entre os cincos países com os maiores índices de feminicídio no mundo. Um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o feminicídio de mulheres no Brasil alertou para o fato de que a lei Maria da Penha não causou o impacto necessário já que, ao longo dos seus 10 (dez) anos de existência, a mortalidade de mulheres aumentou.
            No entanto, em todos esses estudos, um elemento chama a atenção: o aumento considerável dos homicídios de mulheres negras. Os registros do Mapa da Violência, por exemplo, demonstram que houve uma diminuição dos índices de homicídios de mulheres brancas, e um aumento de 54% dos homicídios de mulheres negras. O estudo do IPEA vai ainda mais além e registra que 61% dos óbitos de mulheres em todo país são de mulheres negras.
            Importa esclarecer que esses índices, assim como as condições precárias de vida das mulheres negras não são novidade, as feministas negras já vem alertando para esta situação há bastante tempo e delimitando a necessidade de se enegrecer as demandas dos movimentos feministas, demarcando que os estereótipos de fragilidade feminina, combatidos pelos movimentos feministas ao longo da história, nunca se encaixaram na história de vida das mulheres negras.
A Casa Grande e o senhor de engenho não faziam distinção entre homens e mulheres escravizados, portanto, a história das mulheres negras no Brasil é profundamente marcada pela violência da escravidão, pela violência sexual e objetificação de seus corpos. Tudo isso se reflete na vivência dessas mulheres, que são inseridas no mercado de trabalho de maneira precoce, possuem baixos níveis de escolaridade, e encontram-se inseridas nos empregos mais precarizados. Portanto, não apenas o machismo, mas também a opressão racista, é um elemento que não pode deixar de ser considerado na violência contra a mulher negra.
Outra face dessa violência também se reproduz no genocídio da juventude negra do país. Nesse sentido coloca-se a seguinte questão: quem são as mães que choram as mortes do extermínio da população negra e que ficam com a dor de enterrar seus filhos? Essas mães têm cor e classe social e tem o seu direito a maternidade negado desde o momento do parto, pois são as principais vítimas da violência obstétrica e tem seus filhos vitimados  nas mãos da violência policial que criminaliza os negros e pobres nas periferias do Brasil. Ao mesmo tempo, no que diz respeito a criminalização do aborto, são a mulheres negras também as mais atingidas, são elas que estão submetidas a métodos que colocam em risco suas vidas, tornando-as estatisticamente as que mais morrem por aborto clandestino no Brasil.
A realidade brasileira demonstra que mulheres brancas e ricas recorrem a clínicas particulares com a devida assistência médica. É preciso, portanto, que ao invés de criminalizado pelo Estado o aborto possa ser tratado como o que realmente é: um problema de saúde pública que afeta milhões de mulheres no país inteiro. A mulher deve ter o direito de decidir sobre seus corpos e deve ter toda assistência médica e psicológica necessária fornecidas pelo SUS.

 A combinação cruel do patriarcado e do racismo na vida de milhões de mulheres negras carregam pressupostos históricos no Brasil que foi construído sob o lombo de trabalhadores (as) negros (as) escravizados (as). Neste sentido, falar sobre violência de gênero contra mulheres negras, assim como qualquer outro tipo de política pública para essas mulheres, significa primeiro reconhecer que a democracia racial no Brasil é um mito diante da realidade de vida dessas mulheres, e significa, também, fazer um profunda reflexão sobre o racismo brasileiro, tão bem escamoteado pelo discurso da miscigenação racial. Para nós, mulheres negras, combater a violência de gênero, significa dar um combate ferrenho contra toda ideologia racista e afirmar, como atualmente fazem milhões de mulheres e homens negros que se levantam contra o racismo policial nos Estados Unidos, que vidas negras importam. 




Este texto foi publicado em Maceió, no suplemento Campus do jornal O Dia.

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