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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Anderson Santos dos Passos. APLICAÇÃO DA LEI DE DROGAS E AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS

APLICAÇÃO DA LEI DE DROGAS E AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS


Anderson Santos dos Passos

Professor Universitário, Juiz de Direito titular da 1ª Vara da Comarca de Delmiro Gouveia, Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra

Visiting Scholar no Instituto Max Plank para o Direito Público Comparado e Direito Internacional, na Alemanha (2015).   

Este material foi publicado em Campus/O Dia

Um dos pontos mais delicados da atual política de “guerra às drogas” adotada no Brasil é a definição de alternativas adequadas para o acolhimento e recuperação dos usuários de substâncias entorpecentes.

Como se sabe, desde a Convenção de Genebra de 1936 foram estabelecidos os critérios basilares da estratégia global de enfrentamento às drogas, quais sejam: restrição à produção, comércio e consumo de substâncias entorpecentes e a criminalização dos usuários.   

Neste sentido, a Convenção de Viena de 1988, o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 cristalizaram internacionalmente a política repressiva, servido de parâmetro para inúmeras legislações nacionais sobre o tema.

Seguindo tal tendência, até hoje a legislação brasileira insiste em tratar o usuário de drogas como um criminoso, impondo-lhe toda a pecha estigmatizadora do direito penal. Não obstante a clara evolução legislativa no sentido de não mais impor penas privativas de liberdade ao usuário (despenalizacão), este ainda é tutelado por normas de direito penal, ficando sujeito a um procedimento completamente judicializado e às sanções previstas no art. 28 da lei 11.343/2006.

Neste diapasão e buscando opções mais eficientes, algumas experiências têm sugerido caminhos alternativos na aplicação da lei 11.343/2006, através de técnicas e práticas integrativas a partir de modelos de desjudicialização parcial.

            Um exemplo a ser citado vem dos Juizados Especiais Criminais de Curitiba. A partir de 2005, foi instituído um programa de atenção sócio jurídica para as pessoas processadas criminalmente por uso de drogas ilícitas, tendo como objetivo principal a prevenção do consumo de entorpecentes a partir de uma lógica despenalizadora.   

            O trabalho originou a oficina de prevenção do uso de drogas (OPUD), cuja ideia consiste na instituição de um núcleo composto por uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos, assistentes socais e outros profissionais da área da saúde e da assistência social. Esta equipe multidisciplinar tem por função realizar abordagens individualizadas dos réus e assessorar os magistrados sobre a adequação das medidas alternativas aplicáveis a cada um dos casos, levando em conta o perfil social e pessoal dos autores do fato e ressaltando o cunho socioeducativo da medida.

            Na metodologia empregada, os autores do fato passam primeiramente por uma entrevista de acolhimento, na qual são levantados dados psicossociais do réu para que se possa subsidiar o correto encaminhamento a formas de tratamento. A segunda atividade é um atendimento individualizado, com o objetivo de promover-se um campo de orientação e reflexão do usuário de drogas sobre as medidas alternativas. Em uma outra entrevista, são discutidas possibilidades de direcionamento do usuário para grupos e programas de tratamento do vício.

            No OPUD formam-se grupos de atendimento, compostos por cinco encontros e, ao final, muitos dos autores do fato são encaminhados para outros equipamentos de atendimento, tais como CREAS, CAPS AD, cursos profissionalizantes, etc.   

            O diferencial destacável é a integração do usuário/autor do fato no processo de decisão da medida aplicável, de modo que ele possa efetivamente participar das discussões e fazer com que a atuação estatal represente uma oportunidade concreta para a reflexão sobre as drogas e a relação de dependência dele com os entorpecentes, afastando-se de um modelo exclusivamente punitivo de justiça.

            Pode-se dizer que, nestes casos, a atuação judicial é, também, composta por uma ação psicossocial e médica, sendo uma experiência de enfrentamento multifacetária, integrando os campos da saúde, do direito e da assistência social. Tais exemplos têm mostrado bons resultados na prevenção e recuperação dos usuários de drogas, com resultados mais eficientes do que o modelo exclusivamente judicializado que é adotado na grande maioria dos Juizados Especiais Criminais brasileiros. 

            É importante ressaltar que, no conceito de práticas integrativas, o auxílio das equipes especializadas é imprescindível para que os juízes possam encaminhar os usuários de drogas ao tratamento mais adequado possível. Neste diapasão, os profissionais ressaltam a necessidade de avaliar, individualmente, o grau de uso de entorpecentes e o histórico psicossocial do autor do fato, antes da aplicação da medida alternativa pelo magistrado. 

            Sem sombra de dúvidas, as práticas  integrativas representam uma boa opção para a política estatal de prevenção e redução de danos aos usuários de drogas. A aplicação "nua e crua" da lei 11.343/2006 não parece ser o modelo mais adequado, sendo necessário transpor-se o sistema completamente judicializado e punitivo para um outro de menor participação judicial e de maior valorização da contribuição dos profissionais das áreas de saúde, psicologia e assistência social na definição das medidas adequadas a cada caso concreto.

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