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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Adriana Vilela Toledo. As Férias eram assim. Memória e Cotidiano. Viventes das Alagoas



As Férias eram assim...

Adriana Vilela Toledo*




Para toda criança,  acordar cedo é uma espécie de castigo que os pais impõem, e certamente, na cabeça delas, totalmente desnecessário. Pra mim também era assim, a não ser quando estávamos de férias na fazenda. Aliás a alegria começava no ritual para dormir. 


Na Fazenda Pitimijú, pertencente aos avós de meus primos, os aposentos era divididos em quarto das meninas e quartos dos meninos. Em cada quarto, cerca de oito camas acomodavam os jovens que ali passavam férias. Era sempre muito animado dormir acompanhada de sete primas, grande algazarra nos acompanhava até que adormecêssemos exaustas de mais um dia cheio de aventuras. Lá sim, acordar cedo era um prazer enorme. Nosso dia sempre começava pulando da cama, antes que sol raiasse. Corríamos para cozinha, pegávamos uma caneta, colocávamos uma colher de chocolate em pó e descíamos para a vacaria. Enfileiradas, ordenhávamos leite direto na caneta. 

O leite tinha sabor sem igual, descia quentinho e espumava ao encontrar o pó de chocolate depositado na caneca. Indescritível, o sabor aerado que essa mistura proporcionava. Pois bem, era assim que começávamos o nosso dia. O resto do dia, normalmente, era seguindo de cavalgadas desafiadoras que exploravam toda a região. Saíamos da fazendo, que pertence ao município de Cajueiro, e nos dirigíamos, a Capela, a Cajueiro e até mesmo a Viçosa, o que deixava nossos pais e avós em pânico. Nessa época, não existia os indispensáveis celulares. 

Saíamos pela manhã e voltávamos já no entardecer. Durante todo o dia no lombo do cavalo, muitas vezes sem comer. Foram muitas aventuras. Lembro-me do dia em que, o cavalo que eu estava não era castrado, se interessou por uma burra que bebia água na beira do Rio Paraíba e disparou atrás dela. Meus primos desesperados gritavam para que eu segurasse firme. Eu, ao contrário, desequilibrei e cai. Na queda a bota ficou enganchada no estribo e eu fiquei então sendo puxada pelo pé, com o cavalo em disparada. Depois de muito lutar para soltar a bota (segundos intermináveis), e já nas proximidades do rio, consegui libertar-me.

 Acho que por proteção do meu anjo da guarda (dizem que o das crianças tem poderes especiais), eu não tive nada, apenas uns arranhões que nem sequer chegaram a doer. No entanto, o ocorrido, nos deixou assustados com a possibilidade do cavalo entrar no rio e eu morrer afogada pressa pelo pé.

O ritual da noite era tão adorável quanto o do dia, costumávamos, depois de jantar numa mesa enorme, onde cabíamos todos, regada a muito cuscuz, inhame, macaxeira, batata doce (cheetos e refrigerante não existiam para nós), nos reunir na varanda para contar estórias de assombração. Cada qual contava uma. Todas horripilantes para mim que sempre fui medrosa. Personagens como a mula sem cabeça, o fogo corredor, me deixavam em pânico, não fosse pelo cansaço do dia e pelo clima de festa total no dormitório, certamente não conseguiria dormir.


Ah, e tinha as paqueras dos primos. Cada qual tinha o seu paquera. Quando conseguíamos driblar os adultos, brincávamos de pera, uva, maçã, salada mista, no grupo escolar, que ficava deserto por conta das férias. Foi lá que dei meu primeiro beijo, é claro, que foi apenas um selinho, mas aquilo era o máximo da emoção. O beijo era a salada mista e ficávamos torcendo que quando fosse o primo que nosso coração batia mais forte, caísse a desejada e temida salada mista.





Hoje, vejo meus filhos, os filhos de meus primos e penso... como o mundo mudou! Como é difícil para essa juventude, ser feliz, admirar a vivência simples e humilde do campo. Como precisam de tanto! 

Foi um privilégio minha infância no início da década de oitenta. Eram tempos em que, as roupas de marca, o consumismo, não nos eram próximos. Nossos desejos eram simples, esperávamos apenas chegar as férias para andar de cavalo, tomar leite e ficar coladinho com primos. Férias maravilhosas, sem tecnologia, sem jogos eletrônicos, sem redes sociais, sem brinquedos caros, sem pavor de violência! Éramos apenas nós a natureza e gente ao vivo e a cores.



*Pedagoga, especialista em Administração Pública e Pedagogia Empresarial

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