Translation

domingo, 18 de outubro de 2015

Karen Daniele de Araújo Pimentel. Segregação espacial: à margem do concreto, do urbano e do direito

Esta matéria foi publicada em Campus, suplemento do jornal O Dia, editado em Maceió, nº 137, 11 a 17 de outubro de 2015
.

 
Quem é quem


  







Karen Daniele de Araújo Pimentel, estudante de Direito da Faculdade de Direito de Alagoas (UFAL), é membro do Núcleo de Estudos em Direito Internacional e Meio Ambiente (NEDIMA) e coordenadora-geral do Centro Acadêmico Guedes de Miranda (CAGM), entidade representativa dos estudantes de Direito da UFAL.


Dois dedos de prosa



É instigante notar que vem sendo formada uma nova geração de estudiosos do direito em Alagoas, e nisto, a  professora Alexandra Marchioni tem um papel relevante. Este número é mais uma demonstração de como se pode integrar alunos à pesquisa e levá-los a pensar a sua circunstância, trabalhando a relação entre sociedade e direito, vendo, com a participação dele, a construção do novo.

Estamos diante de textos de alunos e professores que se filiam ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Internacional e Meio Ambiente –Nedima, que vem sendo um dos campos principais, atualmente, de discussão sobre direito e o cotidiano alagoano.

Vamos ler.
Obrigado Professora .

Sávio


Segregação espacial: à margem do concreto, do urbano e do direito



A cidade contemporânea é palco de diversos fenômenos sociais, é nela em que as pessoas se encontram, vivenciam experiências, e – principalmente – trocam mercadorias. Na “sociedade de consumo”, identificada pelo sociólogo Zygmunt Bauman como aquela em que ocorre um processo de “reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo”, as relações sociais são marcadas pela mercadoria enquanto intermediadora.
Nesse passo, se as relações humanas são formas de expressão do consumo dentro do modo de produção capitalista, as relações sociais na cidade não escapam desse mesmo processo. O espaço urbano – assim como as relações de trabalho, a comunicação, a arte e tudo quanto puder ser apropriado pelo capital – é submetido à lógica da produção capitalista. A cidade passa a ser não apenas um lugar de consumo, mas ela mesma se torna um produto a ser consumido, passando a importar pelo seu valor de troca. Dessa forma o capitalismo vai incorporando o espaço dentro da sua lógica de acumulação. Nessa lógica, toda a cidade será produzida e reproduzida em suas riquezas e em suas mazelas sociais, a cidade passa a ser classificada e distribuída espacialmente, enquanto áreas, regiões e bairros assumem estereótipos caracterizadores, por vezes determinantes de seus moradores.
Referir-se a um certo código de endereçamento postal ou à numeração de uma determinada via, invariavelmente acaba por identificar os moradores de uma cidade. Muitas vezes, o “lugar de onde vem” associado a um imaginário social e ideal de uma cidade é suficiente para categorizar um indivíduo e, consequentemente, contribui para um referencial segregador entre seus habitantes. A segregação espacial é um dos resultados gerados pela produção capitalista do espaço, que se caracteriza por produzir o espaço segundo os ditames da (des)acumulação necessária à reprodução do sistema do capital a depender da natureza e da posição socioeconômica dos indivíduos. Em outras palavras, a cidade estabelece lugares distintos para quem emprega e para quem é (des)empregado. Ora, se o sistema capitalista necessita que haja um contingente de trabalhadores, formais e informais, cada vez maior para que produzam cada vez mais para o mercado mundial, também global deve ser a solução de moradia e habitação dessa massa expropriada. Onde essas massas deveriam viver? Em que condições deveriam habitar? Haveria convivência possível e desejável entre essas classes distintas no espeço da cidade? As respostas a essas perguntas não serão encontradas nos livros sobre urbanismo ou mesmo nas leis urbanísticas, mas sim, na constatação da realidade.
Se o indivíduo vive em um lugar apartado dos centros de consumo, se a ele não é permitido o acesso aos equipamentos urbanos e aos espaços de convivência pública da cidade inevitável é a conclusão de que, de fato e de direito, houve a negação de uma vida digna. A negação sistemática dos direitos à moradia, à saúde, à educação, ao trabalho, ao transporte, ao lazer, entre outros significam a negação de um direito mais amplo: o direito à vida urbana ou “direito à cidade”.
É possível sintetizar o que seria de fato o direito à cidade nas palavras do filósofo Henri Lefebvre “[que] a realidade urbana esteja destinada aos ‘usuários’, e não aos especuladores, aos promotores capitalistas, aos planos dos técnicos”. Ou seja, só é possível ao indivíduo o usufruto da cidade quando esta funciona para o atendimento das suas necessidades sociais e não aos interesses da acumulação capitalista. Essas necessidades compreendem: segurança, certeza, organização do trabalho, trocas e investimentos, comunicação etc. A compreensão da não efetivação desse direito exige uma análise que ultrapassa o âmbito jurídico, perpassando necessariamente fatores socioeconômicos estruturantes.
 Uma das definições do que seria a cidade proposta por Lefebvre afirma que esta é a “projeção da sociedade sobre um local”. E é exatamente por isso, por ser a cidade a projeção da maneira pela qual se conforma a sociedade, que nela se reproduzem os mesmos processos de exclusão e negação de direitos que ocorrem em outros âmbitos da vida em sociedade. Assim, o que se percebe é que a mera previsão normativa do direito à cidade, sozinha, não consegue superar a segregação socioespacial. Seria necessário antes transformar a sociedade para que a cidade – sua “projeção localizada” – de fato servisse à satisfação das necessidades sociais.
Assim é que surge um fenômeno, explicado pela autora Ermínia Maricato, em que convivem no mesmo espaço a chamada “cidade legal”, reservada àqueles que possuem o poder de ditar as leis – e mesmo como esse direito à cidade será regulado – e a outra cidade, a “cidade ilegal”. Essa, segundo Maricato, “é funcional para a manutenção do baixo custo de reprodução da força de trabalho, como também para um mercado imobiliário especulativo”. Dessa maneira, para aqueles que seguem lutando pela efetivação do direito à cidade, a vida acontece à margem do concreto, do urbano e do direito.
 





 


Nenhum comentário:

Postar um comentário