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quinta-feira, 7 de maio de 2015

LIMA, José Carlos da Silva. Ocupar a capital para denunciar a indignidade da vida no campo

Este artigo foi publicado originalmente em Campus/ O Dia
LIMA,  José Carlos da Silva. Ocupar a capital para denunciar a indignidade da vida no campo. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 2.
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Dois dedos de prosa


            Os semterra retornaram a Maceió e aqui ficaram de nove a doze de março deste ano.  Foi uma caminhada diferente das iniciais. Hoje contam com mais de cem assentamentos e diversos acampamentos, em todas as regiões de Alagoas. Foi uma caminhada conjunta das principais bandeiras do movimento, colocando a situação da reforma agrária no Brasil e a condição de vida que se tem nos acampamentos e assentamentos. Houve uma demonstração pública de que se mantém a capacidade de reivindicar junto ao governo e uma demonstração à sociedade civil de que continuam organizadamente a luta pela reforma agrária.
Campus pediu a dirigentes que fizessem uma avaliação do que aconteceu. Trata-se de um documento importante, pois, inclusive, é a primeira vez que se tem na imprensa de Alagoas uma escrita integrada de diversos movimentos sobre aspirações, propostas e reivindicações.
Vale a leitura!
Luiz Sávio de Almeida



José Carlos da Silva Lima
Coordenador Regional Nordeste II da CPT. Membro do Grupo Terra e mestrando em História pela Universidade Federal de Alagoas


Ocupar a capital para denunciar a indignidade da vida no campo
  José Carlos da Silva Lima


          O segundo governo da presidenta Dilma Rousseff, até o momento, não aponta para mudanças estruturais no campo brasileiro. A prioridade é recorrente: o agro e o hidronegócio. Ele continuará sendo o setor em que o governo mais investe, com juros subsidiados. As nomeação do ministro Joaquim Levy para comandar a economia brasileira e a de Katia Abreu para o Ministério da Agricultura são elementos significativos que compõem o escopo do segundo mandato da presidenta, levando o governo a uma guinada brusca e ainda mais à direita.
         O capitalismo continua, com o apoio aberto do Estado, atacando os territórios indígenas e quilombolas, áreas de posseiros, pequenas propriedades camponesas e áreas destinadas à reforma agrária. A concentração da terra vem aumentando no país; em menos de uma década (2003-2010), 100 milhões de hectares foram concentrados. Em 2003, conforme o INCRA, 215 milhões de hectares estavam nas mãos de 112 mil proprietários. Em 2010, o número de hectares passou para 318 milhões, e o de proprietários para 130 mil.
          O projeto do governo federal é criar/fortalecer uma classe média rural convivendo ordeiramente com o agro e o hidronegócio. Nesse projeto não há, como nunca houve, espaço para as comunidades tradicionais, os camponeses e, muito menos, para os semterra. O objetivo é viabilizar economicamente uma pequena parcela que vive no campo.
          O esvaziamento do INCRA local e nacional é outro elemento que ajuda a esclarecer a agenda do governo federal para o campo. Com um orçamento insignificante, um quadro técnico restrito e desmotivado, o INCRA não consegue acompanhar as demandas das famílias assentadas e acampadas. Esse processo de desgaste do órgão responsável por executar a política da Reforma Agrária no país foi pensado como parte do projeto que nega a necessidade e a importância de realizar uma reforma agrária popular;  ele teve início no governo de Fernando Henrique Cardoso, sendo assumido pelos três sucessivos governos do PT.
          A opção do governo por retirar da pauta da política e da sociedade a Reforma Agrária, fortalece o agro e o hidronegócio. Impõe às famílias assentadas uma vida indigna. Mesmo assentadas, muitas famílias ainda não têm um teto e moram em condições precárias; o Estado não fornece água potável, as pessoas bebem das nascentes e dos rios, água na maioria poluída. A energia ofertada não atende às necessidades; quando um motor é acionado para irrigar a produção ou beneficiar a mandioca, transformando-a na farinha nossa de cada dia, o assentamento fica sem energia. As estradas de acesso aos assentamentos são péssimas, dificultando o escoamento da produção e a mobilidade necessária para chegar aos centros urbanos. As escolas são indecentes, funcionando graças aos mutirões realizados pelas comunidades. O Estado nega a existência dos assentamentos e não os considera como sujeitos políticos, econômicos e sociais.
          A marcha do modelo para o controle total da terra opera como se os acampamentos fossem invisíveis para o poder. Se as famílias assentadas são sufocadas pelo sistema, situação pior vivem os semterra que estão acampados em fazendas, áreas de domínio da União (BRs) e rodovias estaduais. São brasileiros, alagoanos a que o Estado roubou a cidadania, a naturalidade, a identidade, o CPF, o RG, permitindo apenas o uso do título de eleitor. São discriminados nos postos de saúde, nos hospitais e nas escolas; perdem o nome, o sobrenome, sendo criminalizados e rotulados de baderneiros. É como se desejassem que o correto seria chamá-los desordeiros, que não respeitam a ordem, o mando, e não aceitam as margens como lugar.
          Negando os assentamentos e impedindo a conquista de novas áreas de terras, o projeto das oligarquias agrárias, com o apoio dos governos, como uma espécie de trator vai retirando os obstáculos à sua frente e se consolidando no campo brasileiro. Considera-se como a única e inquestionável forma de produzir, mesmo causando danos irreparáveis à natureza, explorando a força de trabalho, utilizando trabalho escravo e usando veneno.
          Tempos difíceis exigem ações pensadas e coletivas. A luta dos índios deve ser a luta de todos; a luta dos quilombolas deve ser a nossa; a luta dos ribeirinhos, também; a luta dos assentados e acampados é nossa. É urgente lutar em duas frentes: pela permanência na terra e pela conquista da terra. A unidade do campo, ou melhor, dos povos da terra, das florestas e das águas é urgente. A luta é coletiva; não deve ser um lema, uma cor de bandeira, um movimento, uma sigla, uma organização que assuma a vanguarda da resistência e ações de retomadas de territórios. Esse entendimento de juntar lutas contra a ofensiva do capital no campo, vem ocupando a agenda de várias entidades que atuam desde 2012, quando aconteceu o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, de 20 a 22 de agosto de 2012, em Brasília.
           Ali foram construídos compromissos coletivos: denunciar que o capital é o inimigo de camponeses/as e povos; valorizar a formação política e a identidade dos jovens, criando as condições necessárias para que eles permaneçam no campo; solidarizar-se com e apoiar os povos e comunidades que são atingidos pela ofensiva do capital; fortalecer e ampliar as experiências da agroecologia como matriz tecnológica para a produção de alimentos saudáveis; reafirmar a luta pela terra e territórios, na perspectiva da alteração do poder e da afirmação das identidades e da produção cultural e da luta por direitos.
            A mobilização que ocorreu de 9 a 12 de março em todo o país trilhou no caminho da unidade de bandeira múltiplas em defesa da reforma agrária popular. Em Alagoas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) e a Comissão Pastoral da Terra simbolizam essa unidade; mesmo antes do encontro Unitário de Brasília, já praticam nas marchas, nas romarias da terra e das águas, nas feiras na praça da faculdade, na formação de militantes e nas assembleias as formas coletivas de enfrentamento. Aqui, nas terras dos canaviais, o embate sempre foi duro. Lutar sozinho é caminhar em direção ao abismo.
          Foram mais de 3 mil nas ruas de Maceió. Mulheres, homens, jovens, crianças. Gerações formadas em acampamentos e assentamentos, que deixaram o campo e entraram na capital pela porta da frente, ocupando as ruas, denunciando as dezenas de reintegrações de posse dadas pela Vara Agrária, a falta de água potável, as precárias condições das salas de aula, a precária energia fornecida pela Eletrobrás, o avanço do monocultivo dos eucaliptos, a negação do Estado.
          A caminhada, a ocupação da Eletrobrás, o abraço no prédio do Tribunal de Justiça e as audiências foram conduzidos com responsabilidade, disciplina e firmeza política. Mesmo modificando, por uma semana, o cotidiano de Maceió, por diversas vezes foram saudados com buzinas, aplausos e palavras de apoio.
          A ausência sentida foi a da chamada esquerda. Ausente nas atividades, sindicatos e partidos políticos, assistiram pela TV e viram nos blogs e jornais o desenrolar da mobilização. Lembro, com certo saudosismo, da primeira Marcha contra a Violência no Campo, em abril de 1997, quando o país se mobilizou em memória dos 19 semterra assassinados em Eldorado dos Carajás. Ali estavam as esquerdas, as igrejas, os movimentos populares e os sindicatos. Alguns dos que participaram em Alagoas, atualmente ocupam cargos públicos ou são parlamentares, esqueceram as ruas, os protestos, as bases. Apostam na conciliação de classes e estabeleceram os parlamentos, os gabinetes e os hotéis como espaço dessa conciliação.        

          Em breve outras lutas devem tomar o campo de Alagoas e do Brasil, como no mês de abril, em defesa da reforma agrária e contra o hidro e o agronegócio.  Aqui combateremos, além do monocultivo da cana, o avanço do eucalipto em áreas que deveriam ser desapropriadas para fins da reforma agrária. O desafio das próximas mobilizações é ampliar a participação da cidade, dos segmentos históricos e dos novos atores (jovens). Retomar o destaque da luta pela terra, por moradia e direitos, construir/retomar uma aliança do campo com a cidade, capaz de equilibrar a correlação de forças. Nessa direção o Papa Francisco apontou o caminho: Nenhum camponês sem terra, nenhuma família sem casa, nenhum trabalhador sem direitos.

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